JORNALITA MELCHIADES SOUTO DA ROCHA O DA DIEITA
Vamos finalmente à
revelação sobre a origem do apelido, em que o mérito da descoberta fica todo
para o acaso, ao historiador se reservando somente o exame rigoroso da
informação oral recebida, segundo a praxe da disciplina. Conversando em
1983 com o jornalista Ivanildo Souto Cunha, muito relacionado no Recife da
época e homem sempre disposto a ajudar os amigos, ouvimos dele que era sobrinho
do também jornalista e escritor Melchiades da Rocha, natural de
Sertãozinho, hoje Major Izidoro, no Estado de Alagoas. E que este, bem acima
dos oitenta anos de idade, morava no Rio de Janeiro, pouco saindo do
apartamento que tinha no Flamengo, por ter a esposa perdido a vista. Ao longo dos anos 30, Melchiades tinha sido um dos
bons repórteres investigativos do jornal A Noite e da excelente
revista semanal conexa a este, A Noite Ilustrada, do Rio de Janeiro,
veículos de uma empresa de prestígio em todo o continente, que se manteve
pujante até ser encampada pela ditadura de Getúlio Vargas, o chamado Estado
Novo, em 1940, sob a alegação cavilosa de que o governo precisava de um jornal
na situação de guerra que se abria na Europa. Cortando a história para o que nos interessa,
esclarecemos que Melchiades foi o primeiro repórter da grande imprensa
brasileira a chegar à grota do Angico naquele final de julho de 1938, poucos
dias passados apenas da morte de Lampião. Cadáveres ainda insepultos no leito
de pedras do riacho do Ouro Fino, enegrecidos por um tapete de urubus
ocupadíssimos. A viagem aérea, feita no trimotor Tupã, do Condor Syndicat
alemão, se cumprira em dezesseis horas, computadas as escalas entre o Rio de
Janeiro e Maceió. Com o que juntou na aventura de 1938, e mais o fundo de
recordações sertanejas que tinha tido o cuidado de manter vivas desde quando
deixara a terra natal em anos verdes, Melchiades publicou um livro muito
interessante dois anos depois, a que deu o título de Bandoleiros das
caatingas, no gênero que Danton Jobim viria a batizar de “reportagem
retrospectiva”.Vamos finalmente à
revelação sobre a origem do apelido, em que o mérito da descoberta fica todo
para o acaso, ao historiador se reservando somente o exame rigoroso da
informação oral recebida, segundo a praxe da disciplina. Conversando em
1983 com o jornalista Ivanildo Souto Cunha, muito relacionado no Recife da
época e homem sempre disposto a ajudar os amigos, ouvimos dele que era sobrinho
do também jornalista e escritor Melchiades da Rocha, natural de
Sertãozinho, hoje Major Isidoro, no Estado de Alagoas. E que este, bem acima
dos oitenta anos de idade, morava no Rio de Janeiro, pouco saindo do
apartamento que tinha no Flamengo, por ter a esposa perdido a vista. Ao longo dos anos 30, Melchiades tinha sido um dos
bons repórteres investigativos do jornal A Noite e da excelente
revista semanal conexa a este, A Noite Ilustrada, do Rio de Janeiro,
veículos de uma empresa de prestígio em todo o continente, que se manteve
pujante até ser encampada pela ditadura de Getúlio Vargas, o chamado Estado
Novo, em 1940, sob a alegação cavilosa de que o governo precisava de um jornal
na situação de guerra que se abria na Europa. Cortando a história para o que nos interessa,
esclarecemos que Melchiades foi o primeiro repórter da grande imprensa
brasileira a chegar à grota do Angico naquele final de julho de 1938, poucos
dias passados apenas da morte de Lampião. Cadáveres ainda insepultos no leito
de pedras do riacho do Ouro Fino, enegrecidos por um tapete de urubus
ocupadíssimos. A viagem aérea, feita no trimotor Tupã, do Condor Syndicat
alemão, se cumprira em dezesseis horas, computadas as escalas entre o Rio de
Janeiro e Maceió. Com o que juntou na aventura de 1938, e mais o fundo de
recordações sertanejas que tinha tido o cuidado de manter vivas desde quando
deixara a terra natal em anos verdes, Melchiades publicou um livro muito
interessante dois anos depois, a que deu o título de Bandoleiros das
caatingas, no gênero que Danton Jobim viria a batizar de “reportagem
retrospectiva”. Era esse homem baixinho, animado como um esquilo,
que tínhamos diante de nós naquele começo de manhã da primavera carioca de
1983. Uma fonte de primeira ordem, a se confirmar pela meticulosidade do
conhecimento especializado que despejou sem parar na primeira hora de conversa.
De monólogo, para ser preciso, em que aprendemos muito. Num dado momento, levanta-se depressa, vai ao
quarto e volta com uma fotografia do que poderíamos chamar de salão da grota do
Angico, onde ficava a barraca do chefe e de sua mulher, debaixo de uma
craibeira que não existe mais. No meio da cena, caída de barriga no chão e já
sem a cabeça, cortada antes mesmo de se extinguir inteiramente o combate,
aparecia o cadáver de Maria Bonita, metido em vestido bem curto, “Está vendo,
Frederico, mandei fazer essa chapa para mostrar o quanto ela era bem-feita,
mesmo tendo seios pequenos e nádega um pouco batida”, agitou-se o velho
jornalista, devolvido à emoção de quase sessenta anos passados. Foi quando
respirou fundo e lançou a pergunta: “Você sabe como apareceu esse apelido Maria
Bonita?”. E emendou, diante do nosso queixo caído: “Não apareceu no sertão,
não. Foi coisa de repórteres daqui do Rio de Janeiro, mesmo. Eu estava
entre eles”. Um romance de sucesso, do começo do século,
requentado em filme de longa-metragem lançado poucos meses antes do
desmantelamento do bando de Lampião, eis a origem de tudo, corria a explicar. Começava
a ser revelado o mistério de tantos anos. Esclarecido principalmente o fenômeno
de comunicação que impusera o apelido aos meios jornalísticos de modo completo
e em apenas poucos dias. Um conluio tácito entre jornalistas jovens, sem
propósito definido, salvo o de simplificar a informação nas redações, a vincular
algumas das cabeças mais ativas da imprensa brasileira do período, nucleada no
Rio de Janeiro. De volta ao Recife, cuidamos de examinar as pistas
deixadas por Melchiades. ( FOTO MARIA BONITA ).
Era esse homem baixinho, animado como um esquilo,
que tínhamos diante de nós naquele começo de manhã da primavera carioca de
1983. Uma fonte de primeira ordem, a se confirmar pela meticulosidade do
conhecimento especializado que despejou sem parar na primeira hora de conversa.
De monólogo, para ser preciso, em que aprendemos muito. Num dado momento, levanta-se depressa, vai ao
quarto e volta com uma fotografia do que poderíamos chamar de salão da grota do
Angico, onde ficava a barraca do chefe e de sua mulher, debaixo de uma
craibeira que não existe mais. No meio da cena, caída de barriga no chão e já
sem a cabeça, cortada antes mesmo de se extinguir inteiramente o combate,
aparecia o cadáver de Maria Bonita, metido em vestido bem curto, “Está vendo,
Frederico, mandei fazer essa chapa para mostrar o quanto ela era bem-feita,
mesmo tendo seios pequenos e nádega um pouco batida”, agitou-se o velho
jornalista, devolvido à emoção de quase sessenta anos passados. Foi quando
respirou fundo e lançou a pergunta: “Você sabe como apareceu esse apelido Maria
Bonita?”. E emendou, diante do nosso queixo caído: “Não apareceu no sertão,
não. Foi coisa de repórteres daqui do Rio de Janeiro, mesmo. Eu estava
entre eles”.
Um romance de sucesso, do começo do século,
requentado em filme de longa-metragem lançado poucos meses antes do
desmantelamento do bando de Lampião, eis a origem de tudo, corria a explicar. Começava
a ser revelado o mistério de tantos anos. Esclarecido principalmente o fenômeno
de comunicação que impusera o apelido aos meios jornalísticos de modo completo
e em apenas poucos dias. Um conluio tácito entre jornalistas jovens, sem
propósito definido, salvo o de simplificar a informação nas redações, a vincular
algumas das cabeças mais ativas da imprensa brasileira do período, nucleada no
Rio de Janeiro. De volta ao Recife, cuidamos de examinar as pistas
deixadas por Melchiades Souto da Rocha filho do patriarca Major Izidoro.
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