terça-feira, 28 de outubro de 2014

UMA PAIXÃO E A VONTADE DE MUDAR: CINEMA EM MAJOR É REALIDADE.


Sabe aqueles filmes repetidos da “Sessão da Tarde”, na programação da Rede Globo, que todo mundo já assistiu várias vezes? Eles foram o pontapé inicial para inspirar um projeto cativante: não deixar morrer a Sétima Arte no Sertão de Alagoas. Em Major Izidoro, ninguém pode reclamar que não tem cinema. O Cine Jaburu preenche as noites de quinta-feira há um ano, no histórico bairro do Alto da Cila. Com uma paixão por filmes, o criador do projeto, o radialista Nicélio Leite, 39 anos, carrega nos ombros uma grande responsabilidade; a de manter o único projeto cultural continuado do município. Tudo sai do bolso dele e de outros quatro colaboradores. Toda noite de quinta-feira é o mesmo ritual. O grupo vai até o bairro, monta o equipamento para projetar o filme, arruma as cadeiras e ainda arranja tempo para preparar a pipoca – item indispensável para qualquer cinema –, e distribuir de graça a todos que comparecerem. Impreterivelmente às 19 horas a magia começa. Em um telão de 100 polegadas, os filmes são projetados para pouco mais de 40 visitantes, amparados por um sistema organizado de cones e isolamento do local, para que nada atrapalhe a sessão. Tudo transcorre dessa maneira desde o dia 23 de maio de 2013.
Revivendo os tempos de Jaburu

Quem não é da cidade sertaneja, certamente estranha a palavra “Jaburu”, que da nome ao cinema. Jaburu nada mais era que outro amante da Sétima Arte. Jarbas Cassiano foi o pioneiro na ousadia de querer ir além. Na pacata cidade do interior de Alagoas nos anos 70, ele começou a fazer o que Nicélio realiza hoje: levar as histórias contadas em tela para os moradores. Sem vacilar, ele fez isso por 20 anos.
  


Quando o vereador morreu, levou junto com ele o projeto, que só veio renascer pelas mãos do radialista, três anos depois da morte de Jarbas. Para tentar explicar a fascinação pelo cinema e pela necessidade de compartilhar esse sentimento com as pessoas, o radialista, em sua simplicidade, fala de forma natural que sua intenção é “divertir a comunidade izidorense através dos filmes levando cultura e educação de graça”. De graça também é o valor pelo qual Nicélio e o grupo de aficionados por cinema trabalham para o projeto. “O poder público não da nem um real”, lamenta Leite, diante da realidade quase intransponível (e rotineira) de não apoio à cultura nas cidades do inteiro de Alagoas. Com alguns poucos apoiadores, cada sessão, realizada semanalmente, custa pouco mais de R$ 30,00. “Sempre que falta alguma coisa eu complemento”, diz. 
Da Sessão da Tarde para o Alto da Cila

Nicélio assistia os filmes da “Sessão da Tarde” quando criança. Ele cresceu, tornou-se radialista, casou, teve dois filhos, mas a paixão por filmes continuava inerente a ele. Quando a vontade é persistente, o destino toma conta de dar chão para o sonho caminhar.



 O radialista Izidorense começou a comprar os filmes. Foi acumulando; de um em um chegou a mais de 450. “Não era justo este material só eu e meus amigos conhecer”, explica ele ao chegar em casa um dia e, de repente, ter a ideia de compartilhar a mágica do cinema com toda a cidade. Nasceu o Cine Jaburu e com ele a vontade de levar cultura à população. O grupo da preferência a filmes baseados em fatos reais, mas não ficam presos ao gênero e exibem desde a comédia ao drama. Sempre guardo os filmes em um HD externo para não correr o risco de perder. Tenho um acervo que só vendo para crer; tenho material para anos a fio. Faço tudo por amor á cultura e à arte”, declara. ( Matéria produzida por: Kamylla Lima ). 

domingo, 12 de outubro de 2014

A HISTÓRIA DE LAMPIÃO, CONTADA POR MELCHIADES JERÔNYMO DA ROCHA, FILHO DO SAUDOSO PATRIARCA MAJOR IZIDORO..



O hábito de organizar coleções de objetos de arte, raros ou exóticos, ou de amostras reunidas por curiosidade científica era comum na Grécia e Roma antigas, segundo referências que se estendem de Homero (século 9 a.C.) ao ano 125 da Era Cristã, quando morreu Plutarco. Logo, as coleções se formavam a partir da época helenística, e daí passaram à Roma do fim da República e do Império. Portanto, é bastante remoto o gosto de colecionar, especialmente com a preocupação de guardar o testemunho do passado, em que pudessem ser admiradas e estudadas as coleções de objetos históricos.
A morte do cangaceiro Lampião (1898-1938) é um assunto polêmico. Para alguns, revestido de grande complexidade, de inimagináveis controvérsias. Fato é que o ataque, em 28 de julho de 1938, da tropa do 2º Batalhão Policial Militar de Alagoas ao esconderijo Angico, sertão de Sergipe, onde descansavam Lampião, Maria Bonita (1910-1938) e toda a patota, liquidou 11 cangaceiros no confronto - se é que houve realmente confronto. Mas qual o destino dos objetos que estavam com os cangaceiros derrotados em Angico?




Após a refrega, o jornalista alagoano e redator do periódico carioca A Noite, Melchiades da Rocha (1899-1996), relata no livroBandoleiros das Catingas as "verdadeiras obras de arte" que "a polícia alagoana arrecadou na Grota de Angicos". Tratava-se dos "apetrechos e material de guerra que se encontravam nas barracas do rústico acampamento do Rei do Cangaço". Algumas dessas peças se encontram, hoje, no Museu do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, em Maceió, uma vez que seu acervo reúne objetos e documentos dos mais valiosos subsídios autênticos, de valor indefinível, dos acontecimentos que envolveram as volantes e os grupos de cangaceiros no sertão alagoano.
O referido acervo é constituído por óculos, punhal, cartucheira, chapéu, cantil, armaria, mochilas, alpercata, colchas, além de uma moldagem da cabeça de Lampião. Além disso, o acervo possui fotografias, processos jurídicos e diversos bilhetes redigidos por Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e seus livrinhos de oração.



A doação ao Instituto Histórico de Alagoas dos objetos recolhidos após o combate em Angico foi realizada por ordem do interventor Osman Loureiro (1895-1979), por meio do ofício nº 1521, datado de 29 de novembro de 1938, em Maceió, assinado por José Maria Correia das Neves (1886-1953), então secretário do Interior, Educação e Saúde do Estado de Alagoas. O aviso da oferenda dos "trophéos pertencentes ao celerado Virgulino" - palavras de Correia das Neves - mereceu espaço nas atas das reuniões da instituição cultural.
Atendeu ao pedido do nobre ministro o interventor alagoano Osman Loureiro, no envio dos apetrechos, entretanto, a imprensa alagoana alertava em suas manchetes que "após a exposição, os troféus voltarão para Maceió, para que lhe seja dado o destino que se resolver". Seguindo no navio Itanagé, em 12 de agosto de 1938, com destino ao Rio de Janeiro, Melchiades da Rocha levou consigo os referidos "trophéos" para serem exibidos ao público carioca.
Por sua vez, em reunião no Instituto Histórico, em 11 de agosto de 1938, o presidente Orlando Araújo (1882-1953) agradeceu aos sócios Paulino Santiago, Ezechias da Rocha e Théo Brandão "pelo desempenho cabal da missão que lhes fora confiada, de conseguir para o Instituto a maquete da cabeça e a indumentária do famoso Lampião". Em encontro posterior, o secretário perpétuo Luiz Lavenère (1868-1966) informa que "pedira ao governo do Estado que entregasse ao Instituto a guarda dos objetos que pertenceram ao célebre cangaceiro, obtendo promessa favorável ao seu apelo, o que o levou a estranhar que tais objetos estejam sendo exibidos pelo jornal A Noite, do Rio". Mas o apelo do sócio foi atendido, conforme atesta em ofício dirigido ao instituto, no qual o interventor Osman Loureiro se manifestou "anunciando haver providenciado o retorno a esta Capital dos troféus do bando de Lampião".




Na capital Maceió, aliás, corriam as primeiras notícias a respeito da modelagem da cabeça de Lampião, pode-se dizer, executada com esmero pelo escultor Lourenço Peixoto (1897-1986). Na edição concernente ao dia 6 de agosto de 1938, oJornal de Alagoas registraria aos leitores que "por solicitação do Instituto Histórico de Alagoas, o professor Lourenço Peixoto está modelando em gesso a máscara de Lampião". Segundo o noticiário, pretendia o "Instituto Histórico reconstituir a figura do 'Rei do Cangaço', nos mesmos moldes como se pratica nos museus antropológicos".
Entretanto, Lourenço Peixoto executou seu trabalho artístico bem antes que o professor Arnaldo Silveira, docente da renomada Faculdade de Medicina da Bahia, fizesse o traslado para Salvador apenas das cabeças de Lampião e Maria Bonita. Enquanto isso, Lavenère, em um resmungo descabido, quis apressar o regresso dos objetos dos cangaceiros a Alagoas, talvez receoso de que pudessem permanecer no Rio de Janeiro, por causa da prontidão com que o interventor atendia aos pedidos dos interessados.



E assim, o Diário Oficial do Estado publicou, em 1º de dezembro de 1938, o mencionado ofício nº 1.521 ofertando os objetos ao Instituto Histórico, discriminados em inventário conforme o script. Ao mesmo tempo em que as reuniões na entidade cultural aconteciam quase vazias, pelo diminuto número de sócios presentes, por outro lado, a exibição dos objetos capturados em Angico adornava as vitrinas do museu, atraindo os olhares de jornalistas, letrados e autoridades.


ESPÓLIO CAUSOU INTRIGA ESTADUAL

Ao entardecer do longínquo maio de 1939, quando uma comitiva, encabeçada pelo secretário Luiz Lavenère, visitava o museu do Instituto Histórico, por um descuido, notou-se o sumiço de dois objetos pertencentes a Lampião. O desaparecimento logo provocou vozerio. A correria e um sentimento de urgência atingiram o esguio Lavenère. Diante desse incômodo, talvez rememorando o empenho em que pôde triunfar após a conquista na captura dos objetos - que tudo isso, decerto, seria a maior das vaidades -, fragilizou-se o destemido secretário. Preocupado com o fato - ou melhor, o furto -, o próprio Lavenère, na sessão ordinária de 31 de maio de 1939, pedindo para constar na ata "ad perpetuam rei memoriam (para perpétua lembrança)", solicitou o registro do "desaparecimento de dois anéis que pertenceram a Lampião, fato ocorrido por ocasião da visita que o exmo. sr. interventor do Rio Grande do Norte e seu secretário fizeram ao instituto". Os objetos desaparecidos, provavelmente, seriam as seguintes peças: um anel de ouro com as iniciais na parte exterior C.V.L. e uma aliança de ouro com a inscrição "Capitão Lampião", na parte interna, conforme descreve o inventário. Como em qualquer coleção, o que não faltam são vestígios dispersos e, recuperar a sua história é, no mínimo, revelador. Do rico acervo do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, uma peça se destaca, particularmente, pela cadente história de como ali fora identificada: o vestido de Maria Bonita. Consta nos arquivos do museu que "o vestido de Maria Bonita foi, de certa forma, 'esquecido' ao longo do tempo". Mas este "esquecimento" durou somente até o momento em que um pesquisador, aficionado pelo cangacismo, procurou a instituição. Ele indagou sobre ali se encontrar a peça pertencente à baiana Maria de Déa ou simplesmente Maria Gomes Oliveira - nome de nascimento de Maria Bonita (1910-1938) -, que "teria sido doada ao museu nos anos 70".



  
Segundo os registros, o pesquisador "tinha informações precisas e descreveu a peça em detalhes", desencadeando o "procura daqui, procura dali, [até que] o vestido foi identificado. Salvo do esquecimento, passou [finalmente] a constituir uma relíquia" do acervo, o vistoso objeto da mulher que perambulava sertão adentro. A doação do vestido foi feita pela atriz Nádia Maria, cujos familiares o receberam por meio do jornalista Melchiades da Rocha, o qual, por sua vez, foi agraciado pela oferta da vestimenta por intermédio do aspirante Francisco Ferreira Melo, da Polícia de Alagoas. Com vistas à preservação da memória regional, essas peças que constituem um expressivo valor histórico, como resgate de uma época marcada pelo banditismo, continuam a provocar reflexões sobre as possibilidades e direções relativas aos estudos de nossa formação e identidade. São fragmentos de uma natureza simbólica num encontro imaginário, nos quais a memória preservada ocupa espaço nos dias atuais, em uma época em que as lições do passado são tragadas pelo esquecimento. Destino inglório, na vitrina que atenua a luminosidade no Museu do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, onde assentam vestígios materiais do cangaço, não para reverência, mas somente ressoando os ecos da história. ( Matéria  e fotos extraídas do sitio Portal Ciência e Vida ).

https://drive.google.com/file/d/1Qo2PsMa12lIjN9RXpD4z_-alTk-W9l1-/view?usp=sharing